Jurisprudência e arbitragem: análise atualizada 2024

Você sabe como os Tribunais Estatais têm se posicionado sobre a arbitragem? O que há de comum entre eles? Tal relação tem sido objeto de contínuo estudo e debate. Este artigo propõe trazer entendimentos sobre jurisprudência e arbitragem, sob a ótica do Poder Judiciário.

Na primeira parte do artigo será abordado o conceito de arbitragem e efeitos da sentença arbitral. Em seguida, apresentaremos decisões jurisprudenciais com análises. Serão destacadas, com isso, as principais decisões, tendências e desenvolvimentos recentes nesse campo, evidência a jurisprudência e arbitragem.

Ao examinar casos judiciais será possível identificar qual é o papel do judiciário na arbitragem, bem como seu impacto na prática arbitral.

Conceito de arbitragem e base legal

Para dar início ao nosso debate, é importante trazer o conceito de arbitragem e onde encontramos a base legal para a mesma. A arbitragem é regida pela Lei n. 9.307/1996, pode-se conceituá-la como sendo um método adequado de resolução de conflitos.

O seu objetivo é entregar às partes uma decisão vinculativa acerca de determinada controvérsia. Podem ser submetidas, por sua vez, apenas matérias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. Isto é, relativo ao patrimônio das pessoas. 

Dessa forma, áreas como direito comercial, direito imobiliário, direito internacional, dentre outras, podem perfeitamente se enquadrar na arbitragem. Para saber mais sobre outras matérias relacionadas a arbitragem leia nosso artigo: O que pode ser resolvido com arbitragem?

Efeitos da sentença arbitral 

Antes de seguirmos para as reflexões sobre jurisprudência e arbitragem, é importante estudar sobre os efeitos de uma sentença. Além disso, vale dizer que a sentença arbitral possui os mesmos efeitos que uma sentença emitida pelos tribunais estatais.

Em contrapartida, a decisão é proferida pelo árbitro, terceiro imparcial e, geralmente, especialista na área. E a sentença constitui título executivo judicial, com amparo no art. 515 do Código de Processo Civil. 

Jurisprudência e arbitragem: decisões em 2024

Feita essas considerações, veremos a seguir algumas decisões jurisprudenciais emitidas recentemente:

A importância da cláusula compromissória nos contratos de adesão

Neste mês de março de 2024, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou um recurso que envolvia uma cláusula compromissória em um contrato de adesão. (cláusula arbitral inserida em um contrato estipulado entre as partes). Para exemplificar você pode conferir o modelo aqui: Cláusula arbitral .

O STJ reforçou que a revisão da qualificação do contrato como de adesão em recurso especial é vedada pelas Súmulas n. 5 e 7 do STJ. Isso significa que o tribunal superior não pode reavaliar questões fáticas e probatórias já decididas pelo tribunal arbitral. Assim sendo: 

PROCESSO CIVIL E CIVIL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. CONTRATO DE ADESÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI N. 9.307/96. EXAME DA VALIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. 

1. Nos termos da jurisprudência do STJ, verificar a possibilidade de qualificação do contrato como de adesão depende de exame de fatos e provas, cuja revisão em recurso especial é vedada pelos óbices das Súmulas n. 5 e 7/STJ.
2. O juiz pode examinar a alegação de nulidade da cláusula arbitral por descumprimento dos requisitos previstos no art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96, sem que isso implique violação do princípio da Kompetenz-kompetenz. Precedentes.

Acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, em sessão virtual de 27/02/2024 a 04/03/2024, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. […]

Princípio da Kompetenz-Kompetenz 

De maneira análoga, na próxima decisão o STJ reforçou a regra da Kompetenz-Kompetenz. Você pode conferir sobre este princípio em nosso artigo: Princípios do procedimento arbitral. É recomendado entender mais a fundo antes de adentrar nas discussões de jurisprudência e arbitragem.

Para exemplificar, nesse princípio é conferido ao árbitro a competência para decidir sobre sua própria competência, prevalecendo sobre a jurisdição estatal. Assim, uma vez iniciado o procedimento arbitral, a busca pela jurisdição estatal fica impedida, salvo em casos excepcionais previstos na legislação.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA ARBITRAL C/C DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE PROCEDIMENTO ARBITRAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA ARBITRAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRAZO DECADENCIAL DE 90 DIAS. JURISDIÇÃO ARBITRAL. COISA JULGADA MATERIAL. HIPÓTESES EXEPCIONAIS DE REVOLVIMENTO PELO PODER JUDICIÁRIO PREVISTAS NOS INCISOS DO ART. 32 DA LEI 9307/96. SÚMULA 568/STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ.
[…] 4. Segundo a regra da Kompetenz-Kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória, nos termos dos arts. 8º, parágrafo único, e 20, da Lei nº 9.307/1996.O caráter jurisdicional da arbitragem, decorrente da regra Kompetenz-Kompetenz, prevista no artigo 8º da lei de regência, impede a busca da jurisdição estatal quando já iniciado o procedimento arbitral, operando-se o efeito negativo da arbitragem previsto no art. 485, VII, do NCPC. […]
Acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, em sessão virtual de 17/10/2023 a 23/10/2023, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. […]

“A lei processual inclusive confere à sentença proferida pelo juízo arbitral os efeitos da coisa julgada material, (art. 485, VII, do CPC/15), de modo que o debate perante o Poder Judiciário acerca da validade da sentença arbitral se reveste de caráter excepcional e em hipóteses taxativamente previstas nos incisos do art. 32 da Lei 9307/96, desde que respeitado o prazo decadencial para o exercício de direito de ação previsto no § 1º do art. 33 da referida lei”.

Aplicação da Multa do Artigo 475-J do CPC

Para concluir, no próximo julgado o Tribunal estabelece acerca da multa do artigo 475-J do CPC, que preceitua: 

“Art. 475-J.  Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”

Estava sendo discutido se seria cabível a aplicação de multa no atraso do pagamento de quantia certa na ação de cumprimento de sentença arbitral. Foi reforçado então, pelo STJ que sim. Deve ser aplicada nos mesmos moldes do procedimento previsto para as sentenças civis.

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ACÓRDÃO ESTADUAL DANDO PROVIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA EXECUTADA, POR CONSIDERAR DESCABIDA A INCIDÊNCIA DA MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC NO ÂMBITO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. INSURGÊNCIA DOS EXEQUENTES.
1. Para efeitos do artigo 543-C do CPC: No âmbito do cumprimento de sentença arbitral condenatória de prestação pecuniária, a multa de 10% (dez por cento) do artigo 475-J do CPC deverá incidir se o executado não proceder ao pagamento espontâneo no prazo de 15 (quinze) dias contados da juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos (em caso de título executivo contendo quantia líquida) ou da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial (em havendo prévia liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral).
2. O Código de Processo Civil, assim como a Lei da Arbitragem, confere a natureza de título executivo judicial à sentença arbitral, distinguindo apenas o instrumento de comunicação processual do executado. Com efeito, em se tratando de cumprimento de sentença arbitral, a angularização da relação jurídica processual dar-se-á mediante citação do devedor no processo de liquidação ou de execução em vez da intimação promovida nos processos sincréticos (nos quais ocorrida a citação no âmbito de precedente fase de conhecimento).
Eis, portanto, a única diferença procedimental entre o cumprimento da sentença proferida no processo civil e o da sentença arbitral.
3. Nessa ordem de ideias, à exceção da ordem de citação (e não de intimação atinente aos processos sincréticos), a execução da sentença arbitral condenatória de obrigação de pagar quantia certa observa o mesmo procedimento previsto para as sentenças civis de idêntico conteúdo, qual seja, o regime previsto nos artigos 475-J a 475-R do CPC.
[…] Desse modo, sendo certo que a indicação de crédito para penhora não configura pagamento voluntário, mas, sim, mera garantia para fins de futura impugnação da sentença exequenda, restou inobservado o prazo quinzenal previsto no artigo 475-J do CPC, razão pela qual se afigura impositiva a reforma do acórdão estadual, devendo ser restaurada a incidência da multa de 10% (dez por cento) cominada pela magistrada de primeiro grau.
Acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. […]

Jurisprudência e arbitragem: considerações finais

Diante das jurisprudências apresentadas, é possível observar que o Poder Judiciário tem desempenhado um papel importante na regulação e aplicação da arbitragem no Brasil. Algumas conclusões podem ser destacadas:

  1. Respeito à Autonomia da Vontade das Partes: Os tribunais têm reforçado a importância da cláusula compromissória nos contratos de adesão, reconhecendo que a decisão do árbitro deve prevalecer sobre questões fáticas e probatórias já decididas no procedimento arbitral. É um fator importante da discussão jurisprudência e arbitragem.
  1. Aplicação da Regra da Kompetenz-Kompetenz: A regra da Kompetenz-Kompetenz, que confere ao árbitro a competência para decidir sobre sua própria competência, tem sido amplamente respeitada pelos tribunais, limitando a intervenção do Poder Judiciário apenas em casos excepcionais previstos na legislação.
  1. Efeito Negativo da Arbitragem: Uma vez iniciado o procedimento arbitral, a busca pela jurisdição estatal fica impedida, conforme previsto na lei, salvo em situações excepcionais. Esse entendimento é fundamental ao analisar jurisprudência e arbitragem.
  1. Aplicação da Multa do Artigo 475-J do CPC: Os tribunais têm reiterado a aplicação da multa prevista no artigo 475-J do CPC no âmbito do cumprimento de sentença arbitral, visando garantir a efetividade e celeridade na prestação jurisdicional.

Essas são as principais conclusões da discussão jurisprudência e arbitragem. Portanto, as jurisprudências analisadas refletem o compromisso do Poder Judiciário em fortalecer a arbitragem como um método eficaz de resolução de conflitos. Respeitando a vontade das partes e garantindo a efetividade das decisões arbitrais. Esse apoio do Judiciário é fundamental para o desenvolvimento e a consolidação da arbitragem como uma alternativa viável e confiável para a solução de disputas no Brasil.

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